O que Paulo quis dizer?
Há uma idéia-chave que se sobressai em alto-relevo nestes
parágrafos escritos aos Filipenses. É a idéia de relacionamentos. Quatro
afirmativas descrevem os relacionamentos de Paulo com os Filipenses cristãos;
estas afirmativas, por sua vez, formam os pontos básicos que serão
desenvolvidos neste capítulo.
A. "Dou graças
ao meu Deus por tudo que recordo de vós" (1:3)
Esta passagem ensina que os relacionamentos humanos
íntimos e o incentivo para a oração estão intimamente interligados.
De fato, a oração ganha significado no contexto dos relacionamentos humanos. Paulo demonstrou esta verdade de maneira dramática em sua
carta aos cristãos Filipenses. Suas orações de ações de graça eram motivadas
por recordações agradáveis—recordações de gente que ele conhecia
e amava.
Para a maioria de nós as recordações desvanecem. Até mesmo
os relacionamentos mais íntimos logo são esquecidos. Pense nisso por alguns
instantes. Pense nos relacionamentos de sua infância—os amigos que você pensava
nunca esqueceria! Pense em sua juventude—os colegas com quem brincou, as
garotas que namorou!
Alguns dos leitores mudaram-se de um lugar para outro nos
últimos anos, deixando para trás amigos e parentes que pensavam jamais poder
deixar. Contudo, aqui estão vocês! Quanta saudade sentem deles agora? Alguns
deles—ora, vocês até mesmo se esqueceram de seus nomes.
Quão rapidamente nos esquecemos. Quão rapidamente as
recordações de lágrimas vertidas na separação desaparecem e se apagam no
passado. Quão rápidamente até mesmo aqueles que tiveram um impacto gigantesco
em nossa vida. como nossos pais, se transformam em uma recordação tão
desbotada que não podemos lembrar-nos do motivo pelo qual nos eram tão
importantes nos anos que se foram.
Tal é a tragédia de muitos relacionamentos humanos, até
mesmo entre cristãos. Infelizmente, os relacionamentos podem não ter
profundidade.
Mas isso não acontecia no relacionamento de Paulo com os
cristãos Filipenses, e no deles com Paulo. Toda vez que ele se recordava
deles, dava graças a Deus por eles. Mas havia um motivo. O contexto da
afirmativa de Paulo, como veremos, explica o por quê.
B. "Fazendo
sempre, com alegria, súplicas por todos vós (1:4)
Toda vez que Paulo se lembrava dos cristãos Filipenses ele dava
graças a Deus por eles! E toda vez que ele dava graças a Deus por eles, era
uma oração de alegria. Em outras palavras, suas recordações eram
positivas; conseqüentemente, suas orações, também, eram experiências felizes.
O motivo para a oração não se relaciona apenas com a qualidade dos
relacionamentos humanos; quanto mais significativos os relacionamentos, tanto
mais excitante a experiência de oração.
A motivação de Paulo em orar pelos Filipenses baseava-se em
dois fatores: primeiro, o relacionamento contínuo e crescente que tinham uns
com os outros (1:5); segundo, a evidência que este relacionamento produzia no
tocante à realidade de sua experiência cristã (1:6).
1. Um relacionamento contínuo e crescente
"Fazendo sempre,
com alegria, súplicas por todos vós",
disse Paulo, "pela vossa cooperação no evangelho, desde o primeiro dia até
agora." Desde o primeiro momento em que Paulo teve êxito em ganhar alguém para Jesus
Cristo em Filipos, experimentou um espírito ardente e cooperativo na obra do
evangelho (Atos 16:13-15). Lídia, vendedora de vestes de púrpura. e prosélita
do Judaísmo, foi a primeira pessoa a aceitar o evangelho de Cristo. Então sua
casa toda tornou-se cristã.
É provável, porém, que o acontecimento mais memorável do
relacionamento de Paulo com Lídia se deu quando ela insistiu em que Paulo e seus
companheiros missionários (Silas, Timóteo e Lucas) ficassem em sua casa.
usando-a como uma base para suas operações espirituais (Atos 16:15). Pode ser
também que seu lar se tenha tornado no primeiro lugar de reuniões para os novos
crentes de Filipos.
Paulo recordava-se deste acontecimento e possivelmente se
referia a ele quando escreveu que orava com alegria por causa de sua
"cooperação no evangelho desde o primeiro dia" (1:5).
Paulo ainda testifica que esta "cooperação no evangelho"
foi "desde o primeiro dia até agora". O relacionamento e
companheirismo no evangelho que teve início no lar de Lídia, nos primeiros dias
da igreja filipense, era uma experiência contínua. Muitas e muitas
vezes, depois de Paulo ter deixado Filipos a fim de começar novas igrejas,
estes cristãos haviam-lhe mandado dádivas para suprir as necessidades materiais
dele (4:15, 16). Agora, uma vez mais. haviam-lhe mandado uma dádiva enquanto
ele se encontrava numa prisão romana. Epafrodito, talvez um ancião ou bispo da
igreja de Filipos, havia entregue a dádiva, quase perdendo a vida ao fazê-lo
(2:29, 30).
Epafrodito voltou a Filipos levando a carta de Paulo,
escrita com profundo sentimento e significado: "Fazendo sempre, com
alegria, súplicas por todos vós, em todas as minhas orações, pela vossa
cooperação no evangelho, desde o primeiro dia até agora" (1:4, 5).
2. Um relacionamento que demonstrava a realidade
A motivação de Paulo em orar por estes cristãos também
estava baseada neste segundo fator, que resulta naturalmente do primeiro: o
idoso apóstolo estava bem certo de que a experiência de salvação dos Filipenses
era real e verdadeiramente obra de Deus nos seus corações. Suas orações de
ações de graça por estes cristãos eram também de alegria, pois ele confiava que
Deus "que começou a boa obra" nestas pessoas haveria de completá-la
até o dia em que Cristo
Jesus viesse (1:6).
Esta "boa obra" a que Paulo se referia era. sem
dúvida, primeiramente, a obra da redenção de Deus em seus próprios
corações—tomando-os novas criaturas em Cristo (2 Coríntios 5:17). Mais
especificamente, Paulo provavelmente referia-se ã "boa obra" da
participação na obra da redenção e reconciliação em favor de outros (2
Coríntios 5:18-21). Com cada dádiva que enviavam para sustentar a obra de
Paulo, partilhavam da realização da grande comissão de nosso Senhor (Mateus
28:19, 20; Filipenses 4:17).
C. "Porque vos
trago no coração. . ." (1:7)
A próxima afirmativa de Paulo indica ainda mais por completo
quão perto ele se sentia dos Filipenses espiritual e emocionalmente. Embora
distante deles fisicamente, ele percebia uma unidade em Cristo que ultrapassava
toda explicação. Em Cristo, a "unidade do Espírito" e a experiência
de ser "um corpo em Cristo" com estes crentes não eram destruídas
pela distância.
Assim, Paulo compreendia por que ele se sentia tão
perto destas pessoas. "E justo", disse ele, "que eu assim pense
de todos vós, porque vos trago no coração." Em outras palavras, Paulo
dizia: "vocês, Filipenses, são um comigo. . . percebo-o. . . sinto-o. . .
conheço-o pela experiência—embora vocês se encontrem a quilômetros de
distância."
Paulo então deu testemunho mais específico da razão da
existência deste relacionamento: "seja nas minhas algemas [preso a um
guarda romano], seja na defesa e confirmação do evangelho [pregando em meio à
oposição], pois todos sois participantes da graça comigo" (1:7). Paulo
parecia perceber, embora estivesse longe, que os Filipenses estavam juntos
dele, partilhando da experiência maravilhosa da graça de Deus, capacitando-o a
realizar sua missão neste mundo a despeito das circunstâncias adversas,
Eles também sofriam por Cristo, e Paulo tinha consciência
de tal sofrimento. Assim, Paulo disse mais tarde nesta carta: "Porque vos
foi concedida a graça de padecerdes por Cristo, e não somente de crerdes nele,
pois tendes o mesmo combate que vistes em mim e ainda agora ouvis que o é
meu" (1:29, 30). Tanto Paulo quanto os Filipenses tinham a graça de Deus
que os capacitava a serem verdadeiros ao seu chamado em Cristo.
D. "Da saudade
que tenho de todos vós..." (1:8)
Embora Paulo experimentasse à distância a unidade e "presença"
dos Filipenses, tal experiência não era substituto para um relacionamento
pessoal. O apóstolo era um ser humano como você e eu. Ele se sentia só, e seu
coração almejava ver os Filipenses e aumentar-lhes o progresso e alegria na fé
(2:24). O amor que dominava seu ser total era o próprio amor de Cristo que
havia sido derramado em seu coração pelo Espírito Santo (1:8; Romanos 5:5).
Embora ele não fosse um ser sobre-humano, era controlado por um Deus
sobrenatural que o capacitava a amar os outros de uma maneira sobrenatural.
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